sábado, 24 de setembro de 2011

Crônica de Amor


Passaram-se cinquenta anos desde que o vazio começou a aumentar, sempre acreditei que um dia seria devorada por ele e desapareceria da terra, assim, sem deixar vestígios ou um corpo inerte a ser decomposto pelos vermes, talvez aqueles que a anos me devoram lentamente.
Esta manhã o seu crescimento foi imenso, quando acordei imaginei não mais existir, fiquei muito tempo em frente ao espelho tentando ver o momento em que meu sumiço ocorreria e tentei me lembrar de como tudo começou.
Eu era uma jovem perdida em busca de algo que mudasse minha vida, foi quando ele surgiu, não me lembro de onde saiu, acho que brotou do chão, só sei que um dia se materializou na minha frente... e desde então tudo mudou.
Quando seu olhar cruzou o meu, me senti despida, completamente nua diante daquele estranho. Há como não desejar um homem que lhe despe com o olhar, um olhar de tigre em momento de caça diante de uma presa frágil e indefesa. A diferença é que nunca fui indefesa, talvez um pouco frágil. Lhe desejei, como até então homem nenhum havia desejado, uma vontade imensa de despi-lo como fazia comigo, deixá-lo completamente nu. Tocar sua barba, seus cabelos, sentir o hálito, o gosto, o cheiro, e principalmente seu membro hirto penetrando minhas carnes e arrancando suspiros prolongados, doces espasmos finais que meu corpo emitiria ao se sentir satisfeito. Todos os desejos se apossaram de mim, e como a caça que resolve revidar iniciei meu caminho, sem volta, de sedução.
Não esperei muito para ter o que queria, foi numa manhã de sábado. Aos vinte e quatro anos era uma mulher decidida com uma sexualidade aflorada e resolvida, nunca fui bela, mas possuía meus encantos. Como nos romances, era uma bela manhã de sol, após dias de frio.
Ah! Momento sublime. O que encontrei foi algo para o qual não havia me preparado, e eu, que era caçadora, tornei-me caça novamente. Como amei, amei como uma louca, não comia, não dormia, trancafiei-me em um mutismo sem fim, não queria que palavras tirassem de minha boca o seu sabor. Se meus hábitos de higiene fossem um pouco mais lentos talvez não teria me lavado, queria permanecer com seu suor impregnado em minha pele.
Durante seis dias e seis noites minha vida resumiu-se a pensar nele, nossas palavras nestes dias foram por telefone, curtas, carregadas de tensão. Eu cobrava a todo instante um novo encontro que ocorreu no sétimo dia. E no sétimo dia Deus descansou, eu amei. Amei com toda minha força, tanto e tanto e tanto. Quando os espasmos se apossaram do meu corpo o coração deixou de bater por minutos inteiros. E então tudo começou.
Lembro-me que no final ele perguntou o que acontecera, minha fisionomia estava diferente, naquele momento eu não sabia.
Creio um dia haver lido em algum lugar que temos um centelha para amar que devemos acendê-la e mante-la acesa. Minha centelha naqueles dias entrou em combustão.
Quando cheguei em casa notei que algo estranho ocorria, sentia frio, como se estivesse vazia por dentro. E estava.
Não vejo mais as minhas mãos.

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